Antes da Estante

J.M. Coetzee

Posted in Uncategorized by Tomás Chiaverini on maio 28, 2009

Alguns posts atrás, falava eu sobre o fascinante mistério feminino que paira sobre os contos de Miranda July. Depois, como também disse na ocasião, embarquei em outros contos, da nossa Lygia Fagundes Telles. Também femininos, apesar de um pouco mais duros. Mas me agradaram.

Assim, estava eu em meio a toda essa faceira feminilidade literária, quando, na semana passada, resolvi mergulhar no romance “Juventude”, do prêmio Nobel moçambicano, J.M. Coetzee. Já estava em falta com o sujeito fazia tempo e essa foi minha estréia no mundo deste, que é considerado um dos maiores escritores vivos.

E nossa!, quanta masculinidade. Não aquela masculinidade rude de Hemingway, Bukowski, Henry Miller. Nada de bebedeiras, pescarias, touradas ou trepadas em banheiros de bar (desculpem senhoritas).

A masculinidade de Coetzee está na sua inteligência cartesiana. Frases curtas, que se encadeiam numa lógica precisamente matemática, que reflete a profissão do personagem principal, um programador de computadores. Um programador com aspirações a poeta (e talvez a prêmio Nobel). Mas um programador, em 1960, uma época em que computadores eram coisa de ficção científica.

O livro é curto (184 páginas), enxuto, ágil. Uma pequena obra-prima. Mas, como bem observou uma leitora, há algo de excessivamente mental na narrativa. Excessivamente masculino, talvez. Não concordei quando estava no meio do livro. Mas quando terminei, tive a impressão de que o autor forçou um pouco a mão. Quando tudo na narrativa levava para algum tipo de redenção, ainda que modesta, a poderosa mente literária de Coetzee puxa o freio. Nos dá o final esperado, amargo, masculino.

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Das coisas que o homem busca

Posted in De segunda by Tomás Chiaverini on maio 25, 2009

O WordPress, provedor que mantém este blog no ar, tem uma divertida ferramenta, que está presente na maioria dos softwares semelhantes. O administrador do site, no caso eu, tem o poder de saber várias coisas sobre as pessoas que chegam a este espaço virtual.

Não conheço nunca a identidade dos internautas, mas sei até o numero de IP (espécie de RG dos computadores) das pessoas que postam comentário. Mas não é preciso postar para me oferecer informações saborosas.

Sei, por exemplo, se as pessoas chegaram no Antes da Estante clicando num link, postado em outra página da web. Também sei em que páginas, artigos ou links do meu blog as pessoas clicaram. Mas o mais divertido, caros internautas, é que tenho acesso às frases ou palavras que as pessoas digitaram nos programas de busca antes de chegar aqui.

As palavras campeãs, são as mais óbvias: “rave” (com 708 buscas), “antes da estante” (423), “tomás chiaverini” nas suas mais diversas grafias (aproximadamente 200) e assim por diante.

Mas no meio dessa imensa lista, há algumas frases e palavras que chamam atenção pelo inusitado. “Banha de peixe elétrico”, devido a uma menção no primeiro capítulo do “Cama de Cimento” é um dos hits do site. Difícil passar um mês que alguém não chegue por aqui buscando o bálsamo milagroso (agora, certamente o número vai aumentar.

Mas a campeã do non-sense, que não faço ideia de como nem por que veio parar aqui foi: “coceira – pintas pretas no clitóris”. Uma pérola internética, não?

A miséria alheia

Posted in De Quinta by Tomás Chiaverini on maio 21, 2009

Sou fã de José Padilha. Apesar das críticas de que Tropa de Elite é uma apologia à brutalidade policial achei um filme excelente, corajoso e necessário. Li o livro (“Elite da Tropa”) e achei o filme melhor, coisa rara.

Escrevo sobre Padilha, por conta de duas coincidências. A primeira vem do fato de que ele está produzindo um filme sobre raves. O título provisório é “Paraísos Artificiais”, e ainda não há previsão de lançamento. Ao contrário do que muita gente que conhece o trabalho do diretor supõe, o longa não será um documentário (como “Ônibus 174”), nem baseado em fatos reais (como “Tropa de Elite”). Será uma história ficcional, sobre jovens que se envolvem com drogas. As raves estarão no pano de fundo.

A equipe por trás das câmeras também será diferente da do “Tropa”. Marcos Prado, que fazia a produção, será o diretor, invertendo papéis com Padilha. Foi Marcos Prado, inclusive, que me contou tudo isso. Ao vivo e em cores, vejam só, na pista de dança do Universo Paralello.

De sunga e com um chapelão de palha, fotografava ravers para ajudar a compor seus personagens. Colhia imagens, enquanto eu colhia informações e sensações.

A segunda coincidência (por falta de termo melhor?) é uma sensação de comprometimento com os personagens retratados. No caso de José Padilha e Marcos Prado, esse laço forçado pela profissão ocorreu no último filme da dupla, “Garapa”. É um documentário sobre famílias miseráveis que, em pleno século 21, passam fome. Se alimentam de uma mistura de água morna e açúcar, a tal da “garapa”.

Numa reportagem publicada ontem pela Folha de S.Paulo, Padilha fala da terrível impossibilidade de ajudar aquelas pessoas durante as filmagens. A produção não podia distribuir comida, senão a situação se tornaria artificialmente diversa da realidade, não haveria filme. Depois, com o documentário pronto, Padilha e Marcos Prado passaram a ajudar. Enviam dinheiro para as famílias retratadas.

Senti algo parecido quando apurava o livro “Cama de Cimento”, sobre a população de rua de São Paulo. Um sentimento de cumplicidade com a sociedade que perpetua aquela miséria, mas mais do que isso. Uma impressão de que eu estava explorando aquela gente. Ouvindo suas histórias, roubava a última coisa que lhes pertencia.

No final, como quem leu o livro sabe, tentei ajudar algumas pessoas isoladamente. Não adiantou a boa vontade. Mas continuei a me sentir comprometido com o povo das ruas. E antes que o livro fosse publicado, talvez para me livrar do sentimento de culpa, me comprometi a doar metade dos meus direitos autorais.

Assim, 25% dos royalties do “Cama de Cimento” são destinados à Associação Rede Rua, e 25% à Revista Ocas.

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Festa Infinita na Transamérica

Posted in De segunda by Tomás Chiaverini on maio 18, 2009

Hoje à tarde a compentente assessoria de imprensa da Ediouro me ligou devido a um convite da rádio Transamérica, para que eu participasse do programa Transalouca. Não lembrei de cara do programa, mas, evidentemente, confirmei minha presença.

Depois fui lembrar de um tempo remoto, quando eu fazia faculdade, o rádio do meu carro ainda funcionava e eu costumava ouvir esse programa de vez em quando. Uma mistura de jornalismo com piadas malucas e toda aquela algazarra barulhenta da Transamérica.

Tudo isso pra dizer que, quem quiser se divertir às custas deste relativamente tímido repórter, num programa que certamente não recompensa timidez, que ajuste o dial no 100,1 (para São Paulo). O programa, ao vivo, será amanhã, das 13h às 14h.

Pelo menos é rádio e ninguém vai ver o suor porejando na minha testa. Ficarão apenas com as gaguejadas.

Desejem-me sorte.

Avante!

Posted in De Quinta by Tomás Chiaverini on maio 14, 2009

Pois então, caros leitores do Antes da Estante, o atormentado, suado e despudorado texto do post anterior tem grandes chances de ser o início de uma nova etapa. É isso. Enquanto o Festa Infinita se afasta para o mundo, ofereço-lhes, em primeira mão, os três parágrafos que deverão abrir meu primeiro livro de ficção.

É um romance, já tem começo, meio e fim, e estende-se por pouco mais de 180 páginas. Escrevi o primeiro rascunho há cerca de quatro anos, e desde então venho trabalhando nele de forma intermitente.

Durante um ou dois meses, releio, reescrevo e lapido alguns trechos. Depois deixo descansando, para retomar o processo mais tarde. Esses períodos de trégua são importantes, pois permitem um maior distanciamento crítico do texto, e também dão tempo para que o autor amadureça, adquira novas referências na literatura e no mundo.

Agora, quando o burburinho entorno do Festa Infinita vai diminuindo, peguei novamente no texto que esteve parado por quase um ano. Tenho mudado muita coisa. E acho que estou saindo com a versão definitiva que, se tudo der certo, logo estará numa livraria perto de você.

Posted in Uncategorized by Tomás Chiaverini on maio 12, 2009

Alto Solimões

O vento quente entra pelas frestas da parede de madeira e balança a lâmpada  amarelada que nos cobre com uma luminosidade esmorecida de esquecimento. Ela ainda dorme onde a joguei horas atrás, no chão sujo de taboas separadas da palafita. Ouço o rio que corre alguns metros abaixo, que corre marrom e fluorescente, devagar, quase imperceptível — massa infinita de água a se deslocar constantemente.

Eu a agarrara pelos cabelos enquanto ela esfregava o corpo ondulante, suado e macio sobre mim, enquanto ela se contorcia e respirava como se o ar quente e úmido do Amazonas não fosse suficiente para saciá-la, como se ela queimasse por dentro e precisasse de mais oxigênio, de cada vez mais oxigênio para aumentar o calor da caldeira que se instalara em suas entranhas, de cada vez mais oxigênio para alimentar a combustão que eu lhe causava, para lubrificar seu calor que me apertava e no qual eu mergulhava com raiva e sem escolha. Eu a agarrava pelos cabelos, a odiava e me afundava dentro dela só para me esquecer. Eu estava pagando, mas era ela que gostava. Gemia e respirava mais aquele ar oco de quente, e eu a puxava mais, para perto e para longe, mas ela não percebia, respirava e ondulava violentamente derrubando gotas ferventes de seu suor dentro dos meus olhos.

Eu não imaginava que ela fosse tão leve nem que meus braços pudessem lançá-la ao chão com tanta força. Na parede. Na verdade ela bateu na parede de madeira antes, e toda a palafita balançou. Ela bateu na parede e depois caiu no chão, como uma meia suja que tivesse sido largada na cama por engano e encontrada na noite seguinte após um dia longo de trabalho. Ela caiu no chão, nua e suada, escorregadia, com os cabelos cobrindo o rosto; mas não o suficiente para esconder seus olhos pretos que me encaravam com dúvida, com uma certa ressaca de prazer e com medo

Uma estranha moça chamada Miranda July

Posted in De Quinta by Tomás Chiaverini on maio 7, 2009

Ah, as mulheres, suspirei eu ao terminar a última página de um fascinante livrinho chamado “É claro que você sabe do que estou falando”, escrito por Miranda July. Elas são tão poucas nesse mundo das letras, pensei comigo mesmo, mas quando se metem a escrever, nossa!, fazem a diferença.

Depois lembrei das últimas com as quais mantive certa intimidade (intimidade literária, deixemos claro). Clarice, evidentemente, Marguerite Duras, e até Charlotte Roche, aquela guria de gosto duvidoso, que escreveu o best-seller “Zonas Úmidas”. Com esta última, confesso que tive apenas um flerte rápido, num daqueles pufes da livraria Cultura do Conjunto Nacional.

São poucas mesmo, concluí. E voltei a pensar em Miranda, e no que realmente me fascinara no seus contos. Não consegui ir muito longe, porque, infelizmente, fui equipado apenas com um tosco, lógico e limitado cérebro masculino. Mas cheguei à vaga conclusão de que o fascínio vinha justamente desse olhar incrivelmente feminino. Um olhar tão feminino que chega a distorcer nosso embrutecido mundo masculino. E essa distorção vai criando uma aura de estranhamento que talvez seja a maior qualidade do livro.

Eu já havia tido contato com o trabalho da moça, no filme “Eu, você e todos nós”, escrito, dirigido e protagonizado por ela. O filme, estranhíssimo, também me fascinou na época, mas, enfim, é cinema, duas horas e pronto, vamos tomar um café, pensar em outra coisa.

Agora, reencontrar toda aquela estranheza durante alguns dias, é outra história. No fim, acabei pegando tanto gosto pela coisa, que corri até a prateleira da Dri e me muni de dois volumes de Lygia Fagundes Telles. Até agora estou satisfeito. Não é nada tão femininamente bizarro como Miranda, mas há algum estranhamento.

PS: a fim de não cobrir meus estimados leitores de tédio, me arriscarei a uma maior diversificação no assunto dos posts. Em breve é provável que tenhamos mais mudanças no Antes da Estante.

O que o livro “Festa Infinita – o entorpecente mundo das raves” não é?

Posted in De segunda by Tomás Chiaverini on maio 4, 2009

Semana passada, recebi uma proposta um tanto inusitada do site Factóide. Pediram que eu fizesse uma pergunta para que eu mesmo respondesse. Achei bem bacana a idéia, e depois de fundir a cuca pra descolar algo que, assim como a proposta, fugisse da normalidade, me sai com esse texto que reproduzo abaixo.

Eu perguntei: o que o livro “Festa Infinita – o entorpecente mundo das raves” não é?

E eu respondi: “Festa Infninta” não é um livro moralista, não é um livro de denúncia, não se enquadra no jornalismo policial, não é sensacionalista, apesar de ser um tanto sensorial. Não é jornalismo marrom, e sim multicolorido. Não é antiético, apesar de olhar pelas fechaduras alheias. Não é uma obra que faça juízos de valor, que espalhe preconceitos ou que exponha personalidades ao ridículo. Não é um livro sobre drogas, apesar de se aprofundar no assunto. Apesar de se aprofundar até um pouco demais, na opinião de alguns.

“Festa Infinita” não  é um relato apaixonado, apesar de ter um bocado de paixão na escrita. Não é parcial, apesar de se desapegar à imparcialidade. Não é a bíblia do mundo trace. Não é o livro de cabeceira dos ravers. Não é um manual para ravers iniciantes, nem um alerta para pais preocupados. Não é apologético nem reacionário. Não é careta. Não é simples nem simplista. Não é voltado para um público alvo específico.

“Festa Infinita não é quadrado, nem retangular, nem plano. Elíptico talvez. Não é uma tentativa de ganhar dinheiro a qualquer custo. Não é uma jogada de marketing. Não é chato. Não é mal escrito. Não elabora teorias e cita pouquíssimas delas. Não é tacanho, obtuso, estreito ou careta. Não é o prefácio. Não é a orelha ou a quarta capa. Não é uma campanha publicitária, nem uma resenha de livraria. “Festa Infinita” não é ficção, apesar de ser literatura. Não é o que quem não leu anda falando.

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