Antes da Estante

Romance de não-ficção

Posted in Uncategorized by Tomás Chiaverini on agosto 11, 2009

Quando lançou “A Sangue Frio”, em 1966, seu afetado autor, Truman Capote, não se satisfez em enquadrá-lo no new-journalism – gênero recém criado pelos americanos, que estava na crista da onda na época (já falamos disso aqui).  Do alto de sua incomparável modéstia, ele dizia estar inaugurando um novo gênero literário: o “romance de não-ficção”.

Quando dizia isso, Capote se referia ao fato de que, para ele, o mais importante não eram os fatos em si. Afinal, o assassinato da família Holcomb, notícia que deu origem ao livro, não ocupou mais do que uma pequena nota nos jornais americanos.

O que interessava a Capote, ia além de detalhes, motivações e sentenças. O que lhe interessava era o material bruto para contar uma história de forma magistral, para investigar o drama da existência humana, para expor a mediocridade da vida dos americanos comuns.

Ao dar as costas ao jornalismo, Capote também se livrava, em parte, do compromisso com a veracidade dos fatos. Podia, por exemplo, gastar páginas e páginas descrevendo o que uma menina pensou e fez sozinha, trancada no quarto, nos instantes imediatamente anteriores à sua morte. Não havia como saber desses detalhes, mas Capote se permitiu imaginar e escrever sem grandes pudores.

Nada disso é muito novo, verdade. Essas denominações todas, romance de não-ficção, new journalism, jornalismo-literário e etc., têm  mais a ver com o bom e velho marketing do que com inovações legítimas. Praticamente tudo o que eles faziam já era feito antes sem tanto estardalhaço. Até por aqui, o brasileiríssimo João do Rio já fazia jornalismo literário desde o começo do século passado.

Mas escrevo tudo isso porque as definições criadas pelos americanos deixaram mais claros os contornos de toda essa confusão. E porque, depois de usar e abusar de técnicas lapidadas pelo new journalism (em Cama de Cimento e Festa Infinita), estou tendendo a guinar para o romance de não-ficção.

Não pretendo de forma alguma deixar de tentar retratar os fatos como eles realmente aconteceram. Mas é certo que, no novo projeto, dados, números e construções jornalísticas perderão espaço para o aprofundamento de questões humanas, para a reconstrução do clima de uma época, e para a lapidação do texto como se ele, por si só, fosse o objetivo de toda a apuração.

Amanhã, mais detalhes sobre o novo “romance de não-ficção”.