Antes da Estante

Essaouira – Casablanca II: a vingança do Saara

Posted in Diários de Viagem by Tomás Chiaverini on setembro 14, 2010

Todos suam, chacoalham, respiram poeira do deserto, mas ninguém reclama. Afinal, de que adiantaria? Dificilmente o motorista seria capaz de materializar uma autorizada de ares condicionados ali, no meio do nada. Então seguimos em silêncio, pensando em cachoeiras, sorvetes, caipirinhas, cervejas geladas.

Por duas horas vamos assim, sobrevivendo naquela atmosfera viciada e inóspita, até que o ônibus finalmente faz uma primeira parada. No instante em que os freios lançam sua flatulência mecânica na pequena rodoviária de uma cidadela ressecada qualquer, todos os passageiros se levantam, sedentos por encher os pulmões com algum ar renovado, mesmo que ele venha a uma escaldante temperatura de 40º.

Sem demora, o motorista golpeia o botão do painel para abrir as duas portas, uma dianteira, e outra posicionada no centro do veículo. Todos ouvem o som característico do ar comprimido correndo pelos ductos secretos do ônibus, mas, para surpresa geral, as portas permanecem fechadas. Outro golpe, outra bufada, e nada das portas abrirem. Outro e outro e outro. Pfscht, pfscht, pfscht. Nada. As portas seguem hermeticamente fechadas.

A temperatura interna, que com o ônibus em movimento já estava próxima do insuportável, sobe infernalmente rápido. Olhares de desespero contido se cruzam por sobre as poltronas aveludadas. Pfscht, pfscht. Nada.

Espio o martelinho de metal sobre uma janela bem ao meu lado:

“Em caso de emergência, use o martelo para quebrar o vidro”, diz o aviso.

“Não seria aquele um caso de emergência?”, penso comigo mesmo. Mas controlo meus impulsos de sobrevivência e aguardo. O desodorante da mulher ao meu lado não foi capaz de fazer frente às camadas e mais camadas de tecido que a cobrem dos pés a cabeça. Faz parte. Imagino que minha situação não deve ser muito diferente. Pfscht, pfscht, pfscht. Pfscht, pfscht. Nada.

Foram cerca de 20 minutos, contados no relógio, mas que soaram como uma eternidade. Por fim, diante de ineficácia dos automatismos e ares comprimidos, três sujeitos tratam de arrombar a porta dianteira pelo lado de fora. Mais do que depressa, os passageiros descem todos, enquanto dois marroquinos mantém a porta aberta com o auxilio arquimediano de uma barra metálica.

Piso no chão emporcalhado de concreto da rodoviária. Respiro fundo o ar que, apenas na primeira tragada, me parece incrivelmente fresco e perfumado. Ergo os olhos e, diante de mim,  numa banca improvisada em frente ao local onde param os ônibus, um sujeito usa um enorme facão para partir ao meio a carcaça avermelhada de um carneiro.

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